Especialistas encontram evidências de uma antiga guerra que durou 100 mil anos

Guerras são devastadoras, no entanto, as batalhas modernas são tranquilas perto dos brutais combates no mundo antigo. Arqueólogos até encontraram recentemente provas de que, nos tempos pré-históricos, uma guerra durou 100 mil anos. Os efeitos disso, aliás, ainda reverberam na era atual, de forma que nos fazem repensar a história.

Achou que a guerra era uma invenção moderna? Pois é, não exatamente. Temos, por exemplo, o registro de um conflito em 2700 a.C.. Naquela época, as primeiras civilizações de Elão e Suméria, no sudoeste asiático, entraram em conflito. Como quem ganhou foi a Suméria, o líder vitorioso Enmebaragesi, o Rei de Quis, aproveitou disso para roubar o armamento de Elão como despojo de guerra.

Porém, a área da Mesopotâmia, onde a Suméria se encontrava localizada, possuía uma história de combate praticamente interminável. A luta não parou nem quando o rei acadiano Sargão, o Grande, criou um império, tendo ele que combater tanto as revoltas quanto os povos invasores. Há quem afirme, inclusive, que a guerra deu origem ao Egito, quando Menés, o faraó do Baixo Egito, conquistou o Alto Egito. Quem é que disse que é o amor que faz o mundo girar, não é mesmo?

Com certeza não foram os comandantes de guerra. Por sinal, a China passou a gostar tanto de lutar que uma das eras de sua história é chamada de Período dos Reinos Combatentes. Além disso, os romanos conquistaram grandes extensões do nosso planeta pela força militar. O interessante é que algumas de suas conquistas coincidiram com as que foram feitas anteriormente pelos gregos.

Bem, a história está repleta de derramamento de sangue e sacrifício. Contudo, não há razão para acreditar que os conflitos tenham começado com um registro escrito. Ao que parece, os genes e restos mortais de nossos ancestrais revelam que a guerra pode ter acontecido há muito tempo.

Isso, a propósito, teve início no continente africano. Foi onde os humanos se desenvolveram e onde ocorreu a maior parte da evolução de nossa espécie. Exatamente: nossos primeiros ancestrais eram da África. Tal fato é comprovado pelos fósseis encontrados na área que datam de dois a seis milhões de anos.

Em 1960, por exemplo, pesquisadores descobriram fósseis na Tanzânia que aparentavam ser de um cruzamento entre humanos e australopitecos. De fato, aqueles eram os restos mortais de um Homo habilis, considerado como a primeira espécie verdadeiramente humana. Os descendentes dos Homo habilis parecem ter sido os Homo erectus.

Pelo jeito, existiram até 20 espécies que podem ser classificadas como humanas. Entretanto, ainda não chegamos a um acordo sobre como todas elas estão interligadas nem quais deixaram sucessores e quais simplesmente desapareceram. Pois é, os registros fósseis são complicados. De qualquer maneira, mesmo que muitas dessas espécies não tivessem nenhum descendente, pelo menos uma tinha: a nossa própria.

Há cerca de 600 mil anos, uma das populações humanas na África se dividiu em dois grupos. O primeiro permaneceu onde estava e, com o tempo, evoluiu para os humanos modernos - nós, no caso, os Homo sapiens. O outro partiu em uma viagem que teve seu fim na Europa. Esses, aliás, eram os Homo neanderthalensis - mais conhecidos como neandertais.

Alguns supõem que os neandertais foram "nossos primos". Afinal, parece que temos um ancestral comum com eles: os Homo heidelbergensis, os quais provavelmente evoluíram dos Homo erectus. Todavia, o mais curioso é que as espécies devem ter existido ao mesmo tempo. Os Homo erectus, por exemplo, só foram extintos há aproximadamente 135 mil anos. Ou seja, se pararmos para pensar, isso é bem recente na história da humanidade.

Inclusive, não se sabe quando os humanos modernos e os neandertais se separaram, no entanto, acredita-se que isso ocorreu há quase um milhão de anos. O fato é: eles separaram-se e deram origem a distintas populações. Recentemente, foi até descoberto que uma possível espécie a qual possuía vínculos com os neandertais, chamada de denisovanos, havia desenvolvido um ramo asiático.

A existência dos denisovanos foi deduzida a partir do DNA de antigos ossos que não pareciam pertencer aos Homo neanderthalensis. Em 2010, geneticistas constataram que alguns pedaços de osso e dente encontrados em uma caverna siberiana realmente continham o DNA denisovano. Como se não fosse suficiente, outro grupo pode ter existido: o anão Homo floresiensis.

Ao focar nos tempos mais atuais, contudo, os cientistas formularam duas principais teorias a respeito de como a humanidade se desenvolveu. A maioria acredita na Hipótese da Origem Única, a qual presume que os humanos evoluíram na África antes de migrarem para outras áreas da Terra. Por outro lado, alguns acreditam na Evolução Multirregional, a qual deduz que os humanos evoluíram mesmo em diversos e distintos lugares depois de terem saído do continente africano.

De acordo com a Evolução Multirregional, os humanos modernos misturaram-se e originaram as pessoas de hoje em dia. Entretanto, como evidências genéticas respaldam a Hipótese da Origem Única, grande parte dos cientistas concordam com tal teoria. De qualquer modo, as espécies que partiram da África antes dos Homo sapiens também deixaram seus próprios vestígios. Pois é, uma pequena porcentagem de nós ainda tem algumas minúsculas quantidades de genes neandertais ou denisovanos.

Além disso, podemos saber bastante acerca de nossos ancestrais por meio dos fósseis. Os restos mortais mais antigos de humanos com corpos semelhantes aos nossos provém de dois crânios descobertos no sudoeste da Etiópia. Estes ossos, do Parque Nacional de Omo, datam de 195 mil anos atrás. Parece ser muito tempo, todavia, não é nada se considerarmos que foram encontrados ancestrais humanos de seis milhões de anos.

Os migrantes oriundos da África, no entanto, não estavam exatamente prosperando. A verdade é que aquelas pessoas estavam à beira da extinção, não passando de dez mil sujeitos. De qualquer maneira, as coisas logo melhoraram para a espécie humana por um surpreendente motivo.

Por volta de 70 mil anos atrás, um supervulcão entrou em erupção em Sumatra, na Indonésia. A explosão do Monte Toba provavelmente causou um inverno nuclear e uma era glacial por um milênio. Esse acontecimento, porém, não colocou um fim na humanidade. Ao que tudo indica, as pessoas sobreviveram ao cooperarem e formarem unidos grupos que, com o tempo, transformaram-se em tribos.

Assim que aprenderam a cooperar uns com os outros, a espécie humana começou a se sair muito bem. Uma segunda onda deixou a África e, desta vez, os indivíduos eram mesmo como nós - tanto na aparência quanto na forma como se comportavam. Rapidamente, eles espalharam-se e multiplicaram-se pelo mundo, tanto que agora há vários bilhões de pessoas no planeta.

Contudo, quando nossos ancestrais deixaram a África, eles não vagaram por um mundo vazio, até porque alguns dos antigos humanos que haviam partido antes deles ainda viviam. Entre eles, a propósito, estavam os neandertais, os quais receberam esse nome mais tarde devido ao Vale de Neander - local na Alemanha onde os fósseis da espécie foram descobertos pela primeira vez.

Pelas reconstruções, é possível reparar que os Homo neanderthalensis tinham testas pequenas e sobrancelhas pronunciadas. Já seus enormes narizes eram bastante úteis, pois permitiam com que aquecessem e umedecessem o ar gelado que respiravam. No geral, o clima frio da região onde os neandertais habitavam acabou fazendo com que eles se desenvolvessem mais baixos e corpulentos. Entretanto, a espécie possuía grandes cérebros como os nossos.

Esses cérebros possibilitaram aos Homo neanderthalensis criar complexas ferramentas a partir de ossos e pedras. Parece até que eles sabiam química o suficiente para fazer seu próprio fogo. Também, eles tinham um tipo de remédio que usavam em suas peles e, no tempo livre, ainda produziam arte.

Surpreso? Pois é, os neandertais foram mais do que o simples retrato brutal que fizeram deles. Por fim, a espécie foi um ramo bem-sucedido da linha evolutiva humana, prosperando na Europa após sua primeira aparição há 250 mil anos.

A respeito dos Homo sapiens, eles logo se espalharam pelo Oriente Próximo. Sabemos disso, aliás, porque evidências de 130 mil anos atrás foram encontradas em Israel. Ao mesmo tempo, alguns membros da espécie deixaram ferramentas no que é hoje os Emirados Árabes Unidos. Todavia, ao tentarem se mudar do Oriente Próximo para a Europa, eles depararam-se com um obstáculo.

Bem como nossos ancestrais, os Homo neanderthalensis haviam aprendido o valor da cooperação. Então, passaram, por exemplo, a caçar grandes animais em grupos. De todo jeito, eles eram superpredadores, tendo pouca ameaça de outros em seu ambiente. Ou seja, a superpopulação claramente representava uma ameaça tanto ao território que ocupavam quanto à vida deles.

Por sinal, este desejo de adquirir e defender terras não se restringe aos humanos, tanto que os chimpanzés apresentam esse mesmo comportamento. Os machos da espécie reúnem-se e saem para lutar contra rivais de um modo que se assemelha muito à guerra entre os humanos. Isto sugere, portanto, que a cooperação em agressivos conflitos provém de nosso ancestral comum. Assim, os neandertais provavelmente agiam de maneira semelhante.

Os Homo neanderthalensis, inclusive, empregavam armas para caçar, atacando e derrubando os animais com lanças. Nem os mamutes chegavam a ser um desafio enorme para aqueles corajosos hominídeos. Levando tudo isso em consideração, parece difícil acreditar que os neandertais não utilizavam suas armas para defender seus territórios.

De toda forma, existem provas do que aconteceu. Um esqueleto de 36 mil anos descoberto em Saint-Césaire, na França, possuía uma interessante fratura curada no crânio. Apesar disso não ser algo surpreendente por conta da época ser perigosa, a perícia mostra que a lesão foi provavelmente causada por uma afiada ferramenta. Em outras palavras, aquele esqueleto é de um homem que foi atingido na cabeça.

Na verdade, os esqueletos dos Homo neanderthalensis costumam exibir sinais de lesões que mais tarde sararam e ossos que degeneraram. Embora seja possível que tenham se ferido pelos animais que caçavam, eles podem ter sido vítimas de alguns ataques. Curiosamente, naquela época, os Homo sapiens apresentavam os mesmos tipos de lesões.

Os restos mortais dos neandertais também expõem muitas quebras de braço - possivelmente causadas ao tentarem se defender de golpes com lança. Um esqueleto encontrado no Iraque tem até uma profunda marca de lança no peito. Além disso, tais ferimentos pareciam ser comuns em jovens neandertais, surgindo em padrões que indicam pequenos - mas duradouros - conflitos entre tribos; uma longa disputa.

Aliás, a fronteira entre os territórios aponta de fato para a existência de uma antiga guerra. Ainda que os humanos modernos tenham se espalhado rapidamente pela maior parte do planeta, erradicando qualquer espécie preexistente, as áreas habitadas pelos neandertais foram conquistadas de modo mais lento. Enfim, parece que os Homo neanderthalensis resistiram aos Homo sapiens por até 100 mil anos.

Isto, inclusive, esclarece por qual razão os humanos modernos permaneceram na África por tanto tempo. O ambiente em que viviam não era tão perigoso para eles. Já outros locais, no entanto, contavam com territoriais - e armadas - criaturas que seguiam determinadas a proteger suas próprias terras.

Quer uma prova de que os neandertais eram terríveis inimigos? Pois é, mesmo que os primeiros humanos modernos tenham deixado a África há cerca de 200 mil anos, os Homo neanderthalensis só foram extintos depois de 150 mil anos disso. Os Homo sapiens chegaram a invadir o território neandertal na Grécia e em Israel, porém, foram forçados a se retirar. De qualquer jeito, no final apenas uma espécie foi vitoriosa.

Assim, a arqueologia revela os avanços e recuos das duas populações. Tanto que dois esqueletos - um Homo sapiens e um Homo neanderthalensis - foram descobertos em um mesmo lugar, apesar de um ser muito mais antigo do que o outro. O mais impressionante é que, por volta de 50 mil anos atrás, os neandertais ainda poderiam ser encontrados no Oriente Médio, conforme mostram os achados na caverna de Kebara em Israel.

Contudo, por qual motivo as duas espécies não viviam uma ao lado da outra? Bem, embora elas possam ter passado por longos períodos - e a mistura de genes, a propósito, evidencia que estiveram em contato -, a população dos humanos modernos cresceu bastante. Por precisarem de terra, então, eles tiveram que lutar por território.

Ao que parece, esse conflito durou milhares de anos. Ambos os lados possuíam as mesmas armas e provavelmente lutavam de maneira semelhante, o que significava que eles eram praticamente iguais. Durante a maior parte da guerra, foram os neandertais que seguiam vencendo.

Como eles fizeram isso? Para começar, os Homo neanderthalensis conheciam a terra. Afinal, eles viveram naquela área por muitos milênios. O fato de eles terem olhos maiores também auxiliava, pois em ambientes pouco iluminados podiam ver melhor do que os Homo sapiens. Para completar, eram fortes e corpulentos; um perigo!

Entretanto, os neandertais acabaram perdendo no final, ainda que não se possa dizer exatamente o porquê. Talvez seja devido às armas que os humanos modernos desenvolveram e que permitiam com que atacassem à distância. Em resumo, eles possuíam arcos, porretes que podiam ser arremessados e equipamentos que jogavam as lanças de longe.

Outra teoria é baseada na alimentação deles. Depois que os cientistas estudaram os isótopos deixados nos esqueletos tanto dos Homo sapiens quanto dos Homo neanderthalensis, descobriram que esta última espécie vivia de carne vermelha. Os humanos modernos, por outro lado, consumiam peixe também. Logo, a dieta mais ampla ajudou com que eles aumentassem o tamanho de sua população, podendo ter vencido os neandertais pela quantidade maior de indivíduos.

Independentemente se foi pela dieta ou pelas armas, os Homo sapiens acabaram destruindo os Homo neanderthalensis. Todavia, isso não aconteceu de forma rápida, portanto, não devemos pensar neles como inimigos fracos ou pacíficos. Pelo contrário: os humanos modernos encontraram uma resistência tão feroz que aquele conflito durou milhares de anos antes da extinção dos neandertais.

No entanto, nem tudo foi guerra. A verdade é que os neandertais permanecem conosco - mesmo que de um jeito diferente. Algumas pessoas da Europa e da Ásia têm dentro de seus genomas a prova de que os Homo sapiens e os Homo neanderthalensis acasalaram. Em outros lugares do planeta, outras espécies contribuíram também para o DNA humano. Por isso, se fizer um teste de DNA, já fique sabendo que é possível descobrir que você veio dos neandertais...